quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Da Revolta

Aristóteles, na Política, diz que "democracia teve origem devido àqueles que sentiam iguais num determinado aspecto, se convencerem que eram absolutamente iguais em qualquer circunstância; deste modo, todos os que são livres de um modo semelhante, pretendem que todos sejam, pura e simplesmente, iguais" (1301 a 24-27). Não temos qualquer dúvida que essa inspiração de liberdade, que une as pessoas na procura da igualdade plena, é o espírito de uma democracia. Desta forma, se este espírito livre de demanda da igualdade for posto em causa, ameaçado, então cresce nos indivíduos prejudicados por uma injustiça social, a qual não respeita essa proposta democrática de igualdade, um sentimento de revolta. O Estagirita sintetiza essa justificação da seguinte forma: "as revoltas ocorrem sempre devido à desigualdade" (1301 b 26-7).

 Uma outra causa, apontada por Aristóteles, para um estado de espírito propenso à revolta consiste em: "as causas das origens das sublevações são o lucro e a honra, mas também os seus opostos, dado que as lutas surgem nas cidades, para escapar às desonras e aos prejuízos materiais, quer dos próprios quer dos amigos" (1302 a 31-4). Refere também que "a partir do momento em que alguém privado de honras nota que os outros as possuem em excesso, segue o caminho da revolta" ( 1302 b 11-2). A questão que se coloca, neste momento, é inquirir se não será este o espírito que move os cidadãos portugueses para uma manifestação, pois, por um lado, vêem os seus rendimentos diminuídos, a sua condição humana ameaçada, e, por outro, observam, com um certo critério de verdade, que existem outros que não são prejudicados da mesma forma. As palavras do filósofo apontam para um fiel constatação dos sentimentos que, em Portugal, existem. Estará o nosso país à beira de uma revolta? Esta probabilidade deve ser avaliada por todos, mas, em especial, por todos aqueles que tem responsabilidade política.

De seguida, Aristóteles expõe mais duas causas para a revolta: "a prepotência também é causa de sedição sempre que alguém (um ou vários) se dispõe a exercer um poder que exorbita das competências que lhe foram atribuídas pela cidade ou pela autoridade governamental" (1302 b 15-7) e "o medo também está na base dos distúrbios. Manisfesta-se não só nos que incorrem em delito (e que por isso temem castigo), como também nos que, na iminência de serem vítimas de uma injustiça, preferem tomar precauções" (1302 b 21-3). A primeira causa pode também ser evidenciada na actual situação portuguesa. Não poderão os cidadãos sentirem uma certa prepotência governamental, sobretudo quando a prática contraria algumas das propostas eleitorais. A questão que, neste ponto, se coloca é a da legitimidade. Não será a quebra de promessas uma forma de perda de legitimidade? A própria questão eleitoral também pode fazer com que questionemos a legitimidade do Governo, pois o total de inscritos como eleitores foi, nas legislativas de 2011, de 9.624.133 e o número de votantes foi de 5.558.594. Ora o Governo foi constituído pela soma dos seguintes votos: 2.159.742 (PSD) e 653.987 (CDS-PP). Ler aqui. Como pode ser facilmente observado, o Governo, em funções, foi eleito com os votos de menos de um terço dos eleitores. Não deve este facto fazer-nos pensar sobre a questão legitimidade? O medo, a reacção ao medo, gera também uma ameaça à legitimidade de Governo, ou melhor dizendo à sua autoridade, visto que a imposição de um injustiça quebra eticamente o vínculo entre os cidadãos e os seus representantes.

Os governantes deviam equilibrar o agir com o pensar e a leitura da Política de Aristóteles seria um bom complemento para a necessidade um espírito democrático. Pensar as causas da revolta é pensar também na sobrevivência da Democracia.



Aristóteles

Política

Edição Bilingue

Tradução António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes

Vega

1998

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