quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Traduzir os Clássicos: Um Caso de Esperança

Em Portugal, as traduções dos clássicos gregos e latinos são lentas e tardam em sair do prelo. Este país, apesar de estar na ponta da Europa, não deixa de partilhar a herança europeia, fortemente enraizada na cultura clássica. 

No que diz respeito à tradição filosófica, o pensamento europeu é dominado pela influência de Platão e de Aristóteles, contudo, em Portugal, não existe, ainda, uma edição completa, bilíngue, semelhante à de outros países, destes dois autores. Em Espanha, temos a da Editorial Gredos, em França, a da Les Belles Lettres e,  no Reino Unido, a da Loeb, só para dar alguns exemplos. Se tivermos em consideração estas edições, vemos que não possuímos, em Portugal, nenhuma publicação equivalente. 

Durante décadas, criamos um modelo redutor de editar "versões", baseadas em segundas traduções, ou seja, traduzíamos do francês e do inglês, ignorando o texto original, o que frequentemente dava à estampa textos cheios de erros linguísticos e filosóficos. Esta realidade fundamentava-se em dois factores: por um lado, vivemos muito tempo em ditadura, na qual a cultura aproximava-se mais de um gueto do que de uma esperança de universalidade, logo, a exigência era colocada em níveis muito baixos, o simples facto de existir uma edição já saciava a fome de conhecimento que não se revia no regime político; por outro lado, em termos académicos, o ensino da língua grega e da língua latina tem revelado uma expressão muito tímida e se as universidades e, sobretudo, a política educativa negligenciarem a anterior Filologia Clássica e a actual Línguas e Literaturas Clássicas, então o número de tradutores profissionais torna-se inferior às necessidades, o que naturalmente faz com que os leitores fiquem privados dos textos que deveriam ler.

O caso de Platão, apesar de tudo, é melhor do que o de Aristóteles. Do fundador da Academia, temos traduzidos a maior dos diálogos, não numa edição bilingue, mas com traduções de grande qualidade. A única grande lacuna é as Leis. Só saiu o primeiro de três volumes, em Novembro de 2004, pelas Edições 70. Continuamos à espera! Já a edição de Aristóteles não goza da mesma sorte. A Imprensa Nacional iniciou um projecto louvável de publicar as suas obras completas, no entanto, as edições tardam em aparecer e tem um preço de venda ao público que não é sustentável face ao poder de compra dos seus leitores. Por exemplo, um volume da edição da Loeb custa cerca de metade do preço de um da Imprensa Nacional. Porém, o caso mais flagrante da tradução das obras de Aristóteles é o da Metafísica. Os portugueses ainda não podem ler esta obra na sua língua. Tiveram, em tempo, a hipótese sentir o aroma dos primeiros livros numa edição da extinta Atlântida, numa colecção dirigida por Joaquim de Carvalho. No Brasil, as Edições Loyola pegaram na excelente edição italiana de Giovanni Reale e deram aos seus leitores a Metafísica em três volumes: introdução geral; texto original e tradução; e comentários. 

Deixo aqui mais dois exemplos que também tardam em aparecer: o De Rerum Natura de Lucrécio e as Enéadas de Plotino. Continuamos à espera destas edições! Estes exemplos, como tantos outros, servem para ilustrar o nosso atraso cultural. O que pode esperar um país sem referências?  

É, de facto, peculiar que um país que luta pela inclusão no espaço europeu - leia-se União Europeia -, tenha uma relação de desleixo com a sua herança. Quando é que os leitores portugueses poderão ler, na sua língua, estes textos fundamentais? Esta a pergunta que fica.      

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