segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Como um Corpo Morto assim Caí

Dante, no Canto V do Inferno, desce ao 2º Círculo, o dos Luxuriosos, aquele em que os "pecadores danados sãos carnais" (V, 38). Minos rege este lugar de dor certeira e o temor que provoca é tal que as almas em desventura logo confessam os pecados cometidos. Os amantes de um amor em que amar é culpa são arrastados num turbilhão infernal, juntos, sem se separarem, para toda a eternidade. 


Dante, acompanhado por Virgílio, observa todos aqueles "a quem amor tirou da vida hostil" (V, 69) e escuta, do seu sábio guia, os nomes que, às sombras, o dedo atribui. A primeira de todos aqueles que são volvidos na sua própria ruína é Semirâmis, imperatriz, esposa de Nemrod, construtor da Torre de Babel. Segundo a Comédia, a filha de uma sacerdotisa, abandonada e alimentada por pombas, torna-se numa mulher com o "vício de luxúria tão rompida, / que o líbito fez lícito por lei" (V, 55-6). Esta senhora condenada é, por vezes, comparada com a deusa de Éfeso, mas é a deusa cipriota que vela por ela. 

De seguida, vê Dido, abandonada por Eneias e que ceifou a sua própria morte. Cléopatra, Helena, Aquiles, Páris e Tristão são as sombras amantes que seguem, em tão dolorosa procissão. Porém, é com a história de Francesca da Polenta e de Paolo Malatesta que Dante mais se compadece. Francesca, casada com Gianciotto, irmão de Paolo, é apanhada em acto pleno pelo marido, que mata os amantes sem qualquer hipótese de arrependimento. Dante descreve este amor como um "amor que amado algum amar perdoa" (V, 103). Como pode o amor não amar quem é amado? Essa é a pergunta que começa a quebrar o andar de Dante. A dor de amar tira o passo do caminho. O amor de Francesca e Paolo "conduziu a uma só morte" (V, 106), unidos são arrastados na sua queda. O fratricida, no entanto, recebe, em Caína, as suas recompensas.  

Por fim, Galeotto, no livro, é timoneiro da palavra, do texto que introduz o amor de Guinevere e de Lancelot. "Éramos sós e nada a nós suspeito" (V, 129), diz o verso que ao texto reporta, e foi no beijo solicitado que "a boca me beijou todo anelante" (V, 136). Este beijo que o valor proíbe faz com que a leitura pare. 

Francesca e Paolo e Guinevere e Lancelot unem, na palavra que o amor indica, a mesma dor que o choro impele. A morte é sentida neste amor que à queda leva e Dante diz que "como um corpo morto assim caí" (V, 142).

O Canto V do Inferno de Dante é um assombro para quem lê, pois ver aqueles que amaram e amam na sua triste sorte conduz-nos, inevitavelmente, à semelhança e à compaixão. Identificamo-nos com a dor lida e desejamos que a luz do Paraíso receba este amor. 

Ler a Comédia é um desafio e uma bênção, uma descoberta que todos os dias se vivifica.        


Dante Alighieri

A Divina Comédia

Tradução Vasco Graça Moura

Quetzal

2011

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