A História Universal da Destruição dos Livros de Fernando Báez sintetiza essa realidade devastadora que é a destruição de livros. A investigação começa na antiguidade e continua, nesse rasto de páginas perdidas, até à actualidade.
Pensar nos livros que foram destruídos, devido a causas naturais ou humanas, cria um luto da alma, uma quebra na possibilidade de ler. Se nos focarmos na antiguidade e imaginarmos que não possuímos certos livros, simplesmente porque nos foi furtado o objecto da leitura, então sentimo-nos frustrados, impotentes, incapazes de satisfazer uma curiosidade que não pode ser realizada. Não gostaríamos de poder ler todas as tragédias gregas? Como seria a totalidade da obra de Ésquilo dedicada a Prometeu? Como seriam as obras cujo conhecimento se limita ao título? Ou as obras das quais só nos restam fragmentos? Como seria a totalidade do livro de Heraclito? Ou que nos falta de Platão e de Aristóteles? Não sabemos, só podemos visualizar uma imagem de conhecimento, uma visão universal.
Como seria, para estudioso contemporâneo, poder abraçar todas as obras albergadas na Biblioteca de Alexandria? Todas os comentários das obras clássicas seriam rescritos, rasgados, esquecidos, pois estavam incompletos, errados, baseados num falácia que a destruição fomentou. Encontramos, no livro de Báez, uma panóplia de factos, desde a catástrofe natural à mão intolerante e cega de certos homens. A tentativa de compreender o biblioclasta é sempre vã. É o abismo da ignorância, o olhar que não quer ver que promove este acto ignóbil. O biblioclasta padece de uma bibliofobia, teme o livro, o seu conteúdo, rejeita-o, quer devorá-lo, mas sem o assimilar. O acto de destruir um livro é uma mistura de medo e de ódio. Ao longo da história, os relatos da destruição de livros figuram sempre como uma tentativa de afirmar uma outra verdade, que se quer única, exclusiva, caso contrário como poderíamos olhar para a morte Hipátia e para a contínua eliminação das suas palavras, dos seus escritos. A destruição de livros, quando é promovida pelo gesto humano, serve sempre uma agenda, uma vontade deliberada que diz que é preciso anular aquele texto, apagá-lo da memória.
Nos dias de hoje, é mais difícil a destruição total de um livro, a menos que se trate de um texto antigo, de uma edição limitada ou de um exemplar único. A Internet também veio dificultar este processo, o livro globaliza-se, no entanto, o que actualmente destrói um livro é o esquecimento. Quando um livro sai da estampa, o seu tempo de vida numa livraria é muito curto, pois se não for vendido, a devolução é certa, e, depois de devolvido, o seu destino é um lugar esquecido no armazém do editor, o qual, por necessidade financeira ou dedicação profissional, ainda o vai tentar vender. Primeiro, inclui-o em consignações e espera que a sua lombada, fechada entre livros e pouco visível numa estante perdida, lhe traga uma venda, para que, de seguida, o reponha e espere por outra venda. Depois, tenta outros meios comerciais, espera pelas feiras do livro ou por uma venda no seu sítio na Internet. Por fim, já com o problema de falta de espaço no seu armazém, pois, nos meses ou anos que se seguiram, editou mais algumas dezenas ou centenas de títulos, começa a desejar ver-se livre dele e então vende-o em saldos, a preços tão baixos que espera reduzir a quase nada o stock existente. Se isso não resultar, resta-lhe duas opções: ou o vende a peso para uma empresa que o compre nesse modalidade, ou o destrói, ganhando espaço e vantagens fiscais. É claro que ainda existem editores dedicados que os conservam nos seus armazéns, porém, o fim é o mesmo a destruição pelo esquecimento. Este é talvez o único facto que falta incluir no livro de Báez, porque de resto os melhores exemplos estão lá.
A leitura do livro História Universal da Destruição dos Livros pode aumentar a nossa consciência sobre aquilo que perdemos, sobre as páginas que não lemos. Leia-se.
Fernando Báez
História Universal da Destruição dos Livros
Tradução Maria da Luz Veloso
Texto Editora
2009
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