domingo, 21 de julho de 2013

O Fragmento é Semente - II

Que Deus nos livre do momento em que a noção de interesse nacional seja uma e a mesma, pois quando isso acontecer já não estaremos em Democracia.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Entre a Citação e o Fragmento (5)

CITAÇÃO

O dinheiro não só não tem coração, como não tem honra nem memória. O dinheiro é automàticamente respeitável desde que se conserve algum tempo.

Steinbeck, John, O Inverno do Nosso Descontentamento, p. 70. Tradução João Belchior Viegas. Lisboa: Livros do Brasil, 5ª Edição, 2002.

FRAGMENTO

O século XX foi determinante para a criação e preservação dos regimes democráticos. A sociedade, aparentemente, evoluiu. O desenvolvimento tecnológico, o aumento da esperança de vida e as melhorias nas condições de vida - saúde, higiene, alimentação, educação e trabalho - criaram à esperança vã que a pobreza ia diminuir, tornar-se residual. No entanto, a realidade é outra, o que é prova de que o dinheiro não tem coração, honra ou memória. Os Estados firmaram a Democracia, mas tornaram-se reféns do dinheiro. As entidades virtuais - mercados e agências de rating - minaram a autoridade que, supostamente, pertencia aos cidadãos e, com essa privação de autonomia, a pobreza cresceu. O caso português ilustra esse embuste. Veja-se o caso BPN. Em nome da sustentabilidade financeira e bancária, os contribuintes caíram num poço sem fundo. O Governo decidiu vender o banco nacionalizado a preço de saldo, 40 milhões de euros, e agora ainda tem de participar nas perdas, prejuízos, dessa aquisição pelo BIC, mais de 100 milhões. De facto, o dinheiro não tem coração, pois é oferecido em esquemas que em nada salvam aqueles cidadãos que se viram afundados na pobreza. Os direitos humanos que pareciam um pilar da sociedade moderna estão ameaçados por este tipo de acções. O valor do humano é destruído em nome de algo que não se vê e que não tem qualquer relação com a vida das pessoas. O respeito pelo dinheiro só existe para quem o tem e para quem o pode preservar. Os outros, a maioria, vivem assombrados por esse rosto nefasto que é a pobreza.     

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Entre a Citação e o Fragmento (4)

CITAÇÃO

Os que se exercitam a perscrutar as acções humanas, em coisa alguma se acham tão embaraçados como em conjugar umas com as outras e mostrá-las à mesma luz, pois comummente elas se contradizem entre si de tão estranha que parece impossível terem todas saído da mesma loja.

Montaigne, Ensaios - Antologia, p. 159 (II, 1). Tradução Rui Bertrand Romão. Lisboa: Relógio D'Água, 1998.

FRAGMENTO

A dificuldade de encontrar um elemento de coerência nas acções humanas sombreia toda e qualquer análise. Hoje, num tempo em que proliferam os comentadores, vemos os mesmos desesperados num esforço de concluir que existe uma consistência nas acções dos outros. Os seus interesses pessoais, ideológicos ou partidários necessitam dessa coerência e esforçam-se em encontrá-la, recorrendo a silogismos falaciosos que mais não são de que um discurso comprometido, análogo às contradições dos seus semelhantes. A consistência na acção humana é tão difícil de encontrar como a virtude. 

Entre a Citação e o Fragmento (3)

CITAÇÃO

   Os contestatários do livro e os seus inimigos têm estado sempre entre nós. Os homens e mulheres do livro, se me é permitido retomar e alargar esta apurada categorização vitoriana, não param senão esporadicamente para pensarem na fragilidade da sua paixão.
   Em 1821, na Alemanha, obrigado a pronunciar-se num período inflamado pelo nacionalismo em que foram queimados livros, Heine fez notar que «No lugar em que agora queimam livros, hão-de queimar homens amanhã.» 

Steiner, George, O Silêncio dos Livros seguido de Esse Vício ainda Impune de Michel Crépu, p. 34. Tradução de Margarida Sérvulo Correia. Lisboa: Gradiva, 2007.

FRAGMENTO

Caímos num engano, se pensarmos que a democracia, na sua nobre defesa da liberdade de pensamento e de expressão, anula a fragilidade do livro. Um livro, para permanecer fiel à sua essência, necessita de leitores. Ora o autor para tornar o seu texto lido precisa de recorrer à subjectividade de critérios do editor e, neste aspecto, pesam as suas escolhas pessoais, a linha editorial e comercial da editora que representa e o potencial de leitores a que se destina. Por outro lado, se, devido a uma aglomeração em grupos editoriais ou uma extinção por dificuldades financeiras, escassearem as editoras, então a divulgação de um texto fica condicionada, sobretudo se o mesmo tiver um carácter heterodoxo, contra-corrente, pois existirão sempre factores que restringem essa ordem natural do livro que é a dádiva ao leitor, sejam elas de ordem social, política ou cultural. Em suma, tanto em ditadura como em democracia, o livro permanece frágil. 

sábado, 13 de julho de 2013

Vanitas vanitatum et omnia vanitas

O texto que se segue tem por título uma conhecida frase do Eclesiastes. Salomão, filho de David, diz: "vaidade das vaidades, tudo é vaidade" (1,2). Esta tese, a de que todas as paixões se resumem à vaidade, é partilhada por Matias Aires na obra Reflexões sobre a vaidade dos homens ou discursos moraes sobre os effeitos da vaidade (1752).


Na dedicatória, Matias Aires oferece o opúsculo a D. José I e diz que "é o mesmo que oferecer em um pequeno livro aquilo de que o mundo todo se compõe". A vaidade assume o centro de um estrutura moral e o próprio criador do texto declara, no prólogo, que "eu que disse mal das vaidades, vim a cair na de Autor". Segundo o mesmo, "vivemos com vaidade, e com vaidade morremos" (2), pois "a vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura" (1). A vaidade anima a vida e decora a morte. O cadáver, a caminho da putrefacção, envolve-se na mesma vaidade de quando era um corpo vivo e vistoso. Adorna-se o morto, vestindo-o de soberba, glorifica-se o seu derradeiro habitáculo de madeira nobre e metal rico e compõe-se de valioso mármore o local que apenas a morte guarda. Se esta é a vaidade na morte, então quão universal será a vaidade em vida?

Matias Aires, influenciado por La Rochefoucauld, utiliza uma estrutura textual de pequenos pensamentos ou reflexões, compostos numa lógica aforística ou fragmentária. Esta forma de apresentar a palavra é que mais se distancia da vaidade criativa, ou da ostentação textual, pois o pequeno texto, o fragmento, proclama uma limitação epistemológica, uma síntese daquilo que se conhece em oposição ao vasto desconhecido. 

O autor diz que "a nossa vaidade é a que nos faz ser insuportável a vaidade dos mais" (6). A visão exacerbada do eu contamina qualquer projecção identitária do outro. Os demais ameaçam a nossa vaidade, daí que Matias Aires escreva que "a vaidade parece-se muito com o amor-próprio, se é que não é o mesmo; e se são paixões diversas, sempre é certo, que ou a vaidade procede do amor-próprio, ou este é efeito da vaidade" (10). O amor-próprio e a vaidade potenciam toda e qualquer expressão do humano, formam a sua relação com o mundo e com os outros. 

"Com todas as paixões se une a vaidade; a muitas serve de origem principal; nasce com todas elas, e é a última, acaba" (7). O carácter universal da vaidade é o que lhe permite ser a origem e o fim, a causa e o efeito de todas as paixões. Logo, a vaidade é a suprema forma de afirmação, de conquista de um lugar no mundo, não um espaço oculto, mas sim um local de fama e de reconhecimento. "A vaidade faz, que não há cousa, que não sacrifiquemos ao desejo de parecer entendidos, ainda que seja à custa de um vício, ou de uma culpa" (16). "Fazemos vaidade de errar com subtileza, e temos pejo de acertar rusticamente" (15). É preferível parecer-se sábio na ribalta do que sê-lo no anonimato. Tudo se torna um véu de aparência, uma dissimulação apadrinhada pela vaidade.

"Para donde quer, que vamos, a vaidade nos leva" (20), daí que "os homens mais vaidosos são os mais próprios para a sociedade" (24). O mundo assume uma preferência, mesmo que disfarçada, camuflada de falsa virtude, por esse empreendedorismo do eu. Os vaidosos dedicam-se a essa empreitada de firmar o eu no mundo dos outros como se essa fosse o sua condição natural. "A vaidade nos faz parecer, que merecemos tudo, por isso empreendemos, e conseguimos às vezes; a falta de vaidade nos faz parecer, que não merecemos nada, por isso nem buscamos, nem pedimos" (23). Desengane-se com pensa que a acção que tende para uma realização pessoal está assente em nobres ideias, porque na verdade ela não passa de vaidade, de busca incessante por uma glória do eu. A vaidade também não enfraquece com os anos, muda de forma, mais o seu vigor permanece. Nesse altura, nos anos da velhice, a vaidade torna-se numa ostentação das glórias passadas, numa afirmação inabalável de que se conquistou um estatuto, uma posição de relevo.

"Se a melancolia nos desterra para a solidão do ermo, não deixa de ir connosco a vaidade; e então somos como a ave desgraçada, que por mais que fuja do lugar em que recebeu o golpe, sempre leva no peito atravessada a seta: nunca podemos fugir de nós: para donde quer que vamos, imos com os nossos mesmos desvarios, se bem que as vaidades do ermo são vaidades inocentes" (37). Aquele que julga que ao distanciar-se de um mundo de vaidades foge da própria vaidade, engana-se, uma vez que a leva consigo, pois ela participa da sua própria natureza. É uma vaidade inocente, mas não deixa de ser vaidade. 

"O que chamamos inveja, não é senão vaidade. Continuamente acusamos a injustiça da fortuna, e a consideramos ainda mais cega do que o amor, na repartição das felicidades. Desejamos o que os outros possuem, porque nos parece, que tudo o que os outros têm, nós o merecíamos melhor; por isso olhamos com desgosto para as cousas alheias, por nos parecer, que deviam ser nossas: que é isto senão vaidade?" (43). A inveja é uma vaidade afectada, diminuída na sua nobre consciência de si. O êxito do outro torna-se, na ausência do nosso sucesso, um inimigo. Gera-se uma sensação de afronta e de despeito e então o vaidoso constrangido vitupera a glória alheia como se ela fosse um ataque à sua própria dignidade.

"A vaidade é de todo o mundo, de todo o tempo, de todas as profissões, e de todos os estados" (64). Cai no erro quem pensar que rejeita a vaidade, que a sua acção ou profissão, que o seu modo de pensar ou de agir se envolvem de virtude e que são tudo menos vaidades. A mais nobre das opiniões ou dos raciocínios podem não ter a vaidade no conteúdo, mas vão tê-la na forma, pois toda a expressão, seja fruto da razão ou do sentimento, visa a aceitação e esta não é mais do que vaidade. Desta forma, "o aplauso é o ídolo da vaidade" (68). Esta paixão universal visa o reconhecimento, a atribuição de valor aos nossos passos. A vaidade procura a estima e rejeita o desprezo. 

"A vaidade é engenhosa em glorificar tudo o que vem de nós, e em reprovar tudo que vem dos outros" (121). A vaidade teme os feitos dos outros. Matias Aires diz que "na república das letras não há menos vaidade que na república das armas" (120). No que compete ao pensamento e à palavra, "o ter ou não ter razão, é verdadeiramente a guerra em que se passam os nossos dias, e os nossos anos" (121). Para essa assunção da verdade do eu, o mais é o melhor. O autor de um tratado assume ter a razão face ao autor de um ensaio que visa a mesma temática. Diz outro que um extenso romance é preferível à síntese de um conto. Ou que um fragmento não iguala a torrente de páginas escritas. Ou ainda que uma ode de cento e onze versos é melhor do que um haiku. A vaidade criativa precisa de uma qualquer forma de ostentação seja pela quantidade de texto, pelo estilo da palavra ou pela pomba da sua apresentação. "Quantas injustiças não terá feito a vaidade de fazer justiça" (134)

Em suma, "vanitas vanitatum et omnia vanitas". Tudo é vaidade. Leia as Reflexões sobre a Vaidade dos Homens de Matias Aires e compreenda-se a universalidade da vaidade. 


Edições utilizadas:
  • Bíblia de Jerusalém - Nova Edição, Revista e Ampliada. São Paulo: Paulos, 2002.
  • Matias Aires, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens. Prefácio de António Pedro Mesquita. Fixação do texto e notas de Violeta Crespo Figueiredo e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: INCM, 2ª Edição - Revista, 2005

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Entre a Citação e o Fragmento (2)

CITAÇÃO

"Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros, os quais são bons, ou não, segundo a prudência do príncipe. E a primeira conjectura que se faz do cérebro de um senhor é ver os homens que ele tem em redor: quando são competentes e fiéis, pode-se sempre reputá-lo de sábio, porque soube reconhecê-los competentes e sabe mantê-los fiéis; mas, quando não sejam assim, pode sempre fazer-se dele um juízo negativo, porque o primeiro erro que faz, fá-lo nesta escolha."

Maquiavel, O Príncipe, XXI, 1. Tradução de Diogo Pires Aurélio. Lisboa: Círculo de Leitores / Temas e Debates, 2008.

FRAGMENTO

O que Maquiavel diz neste texto corresponde a um axioma da sabedoria popular. Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. As escolhas nas nossas relações pessoais e sociais definem a nossa identidade. A convivência com pessoas alimentadas por uma moral duvidosa pode minar toda uma estrutura ética - caso ela exista, senão será apenas um caso de união pela semelhança. No caso particular de um príncipe, essa capacidade torna-se de suma importância, pois pode definir e condicionar o sucesso ou o insucesso de um governo. Se um senhor se rodear de ministros incompetentes, desleais, corruptos, medíocres ou ignorantes, então, por muito boas que sejam as suas intenções, todos os seus esforços para uma autoridade justa, adequada e legítima serão frustrados. É impossível permanecer no poder de uma forma estável quando na gestão dos assuntos de um reino, de um povo, estão pessoas que corrompem, destroem a partir do interior, os melhores propósitos, mesmo quando não passam de propaganda. A escolha deve ser sempre alvo de uma dúvida constante e metódica. A pergunta "será que fiz a escolha acertada quando escolhi esta pessoa?" deve permanecer viva no coração daquele que governa - e também daquele que elege. Duvidar de uma escolha e corrigir na acção o erro celebrado é uma forma sábia de permanecer no poder. Ser obstinado e fiel, de forma quase fanática, às suas escolhas pode se tornar num caso evidente de ignorância activa. Certos textos permanecem no tempo, dinâmicos, disponíveis para se relacionarem com a actualidade. O excerto aqui apresentado de O Príncipe de Maquiavel pode oferecer-nos uma nova luz na interpretação do limbo político que se assiste em Portugal. A relação entre escolha e dúvida é um bom parâmetro para medir o governo, ou o desgoverno, a que estamos sujeitos.

terça-feira, 2 de julho de 2013

O Estado da Nação

A relação entre o indivíduo e a cadeira: há quem caia da cadeira; há quem saia da cadeira; e, por fim, há quem se agarre à cadeira e caia com ela. Que Deus nos livre desta terceira espécie, pois leva tudo atrás!