terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A Experiência da Viagem

A experiência da viagem conduz sempre a um processo de transformação. O eu torna-se num outro, renova-se na novidade que é apreendida. No entanto, a viagem necessita de uma disponibilidade, de uma abertura ao novo, ao estranho, ao desconhecido. Em certa medida, a viagem é uma experiência iniciática. O indivíduo ao viajar entra num outro mundo, numa realidade que não é a sua.

Michel Onfray, na Teoria da Viagem, reflecte sobre o desejo de viajar, sobre o impulso nómada que pode habitar em nós. O filósofo francês diz que "viajar exige uma abertura passiva e generosa às emoções despertadas por um lugar que deve ser capturado em toda a sua brutalidade primitiva, como uma oferenda mística" (62).  É essa disponibilidade para sentir um lugar estrangeiro que nos transforma. 

Onfray refere também que "a viagem deriva mais do convite socrático a conhecer-se a si próprio do que da escalada do Gólgota" (83). O conhecimento de si próprio é adquirido pela apreensão de uma realidade espacial inaugural, em bruto, desconhecida. É uma experiência mística que exige a contemplação, porque, depois de viver essa alteridade de espaço, o sujeito retorna à origem, transfigurado, conhecedor de uma língua estrangeira. A palavra é outra, pois a sua linguagem cresceu, vivificou nesse acto de se abrir ao mundo.

"Viajar conduz inexoravelmente à subjectividade" (88). O sujeito conhece-se naquilo que escolhe para si, na realidade que acolhe como sua e que transforma face ao seu modo de pensar e sentir. Ao longo da história, a viagem foi sempre encarada como um processo de crescimento, veja-se o caso dos filósofos gregos que viajavam e assimilavam nas suas teorias esse conhecimento estrangeiro. Pitágoras e Platão foram disso exemplo. Os egípcios, os persas ou os caldeus enriqueceram a filosofia destes homens. Também na literatura, a viagem implica essa disponibilidade para conhecer-se a si próprio. Gilgamesh, a Comédia de Dante ou a Viagem a Itália de Goethe expressam essa realidade transformadora que é a viagem. Os textos do Graal também indicam essa dinâmica. A Morte de Artur de Thomas Malory, Perceval, o Conto do Graal de Chrétien de Troyes e Parcifal de Wolfram von Eschenbach resumem a viagem que tem como finalidade um destino transformador que é, neste caso específico, uma imagem de redenção. O Graal transforma e liberta aquele que o procura e aquele que o encontra.

A Teoria da Viagem de Michel Onfray é um excelente resumo do conceito de viagem. Leia-se.



Michel Onfray

Teoria da Viagem - Uma Poética da Geografia

Tradução Sandra Silva

Quetzal

2009




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