A leitura do ensaio "O Que é um Clássico" (1945) de T. S. Eliot, bem como do ensaio "Porquê Ler os Clássicos" (1981) de Italo Calvino, ajudam-nos a compreender a natureza de um clássico.
T. S. Eliot começa por dizer que "a palavra tem, e continuará a ter, vários significados em vários contextos" (129). O autor anula, de imediato, dois significados para este termo. Eliot não se quer referir a um clássico como referente aos textos gregos e latinos do período chamado clássico, nem do clássico como oposição ao romântico. A sua definição de clássico assenta, principalmente, em três conceitos. O primeiro é a maturidade. "Um clássico só pode ocorrer quando uma civilização atingiu a maturidade; quando uma língua e uma literatura atingiram a maturidade; e deve ser a obra de um espírito que atingiu a maturidade" (131). Eliot, de seguida, refere o segundo conceito que define um clássico, a compreensividade, e diz que "o clássico perfeito deve ser um clássico em que todo o génio de um povo está latente, se não todo revelado; e que só pode aparecer numa língua tal que todo o seu génio possa estar estar presente ao mesmo tempo. Devemos, por consequência, acrescentar à nossa lista de característica do clássico a da sua compreensividade" (142). E, por fim, o último conceito que define o clássico é a universalidade. "Quando uma obra literária possui, para além da compreensividade em relação à sua própria língua, igual significado em relação a um certo número de literaturas estrangeiras, podemos dizer que tem igualmente universalidade" (142). Em síntese, T. S. Eliot diz que "o nosso clássico, o clássico de toda a Europa, é Virgílio" (145). No entanto, é importante referir que, neste ensaio, o autor norte-americano apresenta um expresso grau de subjectividade nas suas escolhas, ou referências, por exemplo não considera que a obra de Goethe se inclui no conceito de universalidade, bem como, nesta definição de clássico, conclui que as obras de Homero, a Ilíada e a Odisseia, são inferiores às de Virgílio.
Já Italo Calvino apresenta catorze propostas de definição para um clássico, as quais passamos a enumerar:
- Os Clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer: "Estou a reler" e nunca "Estou a ler..." (7).
- Chamam-se clássicos os livros que constituem uma riqueza para quem os leu e amou; mas constituem uma riqueza nada menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas condições melhores para os saborear (8).
- Os clássicos são livros que exercem uma influência especial, tanto quando se impõem como inesquecíveis, como quando se ocultam nas pregas da memória mimetizando-se de inconsciente colectivo ou individual (8).
- De um clássico toda a primeira leitura é na realidade uma releitura (9).
- Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer (9).
- Os clássicos são os livros que nos chegam trazendo em si a marca das leituras que antecederam a nossa e atrás de si a marca que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes) (9).
- Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma vaga de discursos críticos sobre si, mas que continuamente se livra deles (10).
- Os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto (10).
- Chamam-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, tal como os antigos talismãs (11).
- O nosso clássico é o que não nos pode ser indiferente e que nos serve para nos definirmos a nós mesmos em relação e se calhar até em contraste com ele (11).
- Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu primeiro os outros e depois lê esse, reconhece logo o seu lugar na genealogia (11).
- É um clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para a categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo (12).
- É um clássico o que persistir como ruído de fundo mesmo onde dominar a actualidade mais incompatível (12).
Segundo Calvino, um clássico manifesta-se pela releitura, pelo enriquecimento do leitor, pela influência que exerce, pela novidade, pelo reconhecimento, por ser inesgotável, por ser fértil em referências, por ser passível de inúmeras críticas e comentários, mas, por outro lado, se manter independente, por ser uma imagem do universo, por promover o conhecimento de nós mesmos, seja pela semelhança ou pela diferença, por ocupar o seu lugar num fio temporal e temático de outros clássicos, e por se manter vivo face a qualquer actualidade e interagindo com esta. O autor italiano diz "os clássicos servem para compreender quem somos e aonde chegámos" e termina, concluindo que "a única razão que se pode aduzir é que ler os clássicos é melhor que não ler os clássicos" (13).
Nos dias de hoje, o mercado livreiro assumiu uma ditadura da novidade e do best seller. As livrarias, sobretudo as grandes superfícies e as que pertencem aos grandes grupos editoriais e livreiros, focam-se nestes livros de grande rotação que saem do prelo hoje e amanhã são esquecidos, são substituídos por outros, porém, existem alguns que permanecem, como "bestas céleres", que, com a ajuda dos media, do passa-palavra, da moda que se opõe, são constantemente repostos. No entanto, mesmo esses têm uma morte anunciada, acabam por ser ultrapassados por outros que, por sorte, mérito, ou publicidade agressiva, se vêem a revelar como mais populares. Todos estes livros têm como maior temor a ordem tempo. O seu fado predeterminado é serem apagados da memória, seja em meses, anos, décadas ou séculos. A moda passa, é ultrapassada por outra e acabam por cair no esquecimento. No entanto, os clássicos tem a capacidade de permanecerem, de serem long sellers, daí que, nos últimos anos, algumas editoras apostem nestes livros intemporais. O leitor tornou-se mais exigente e agora os clássicos que saem da estampa tem mais qualidade gráfica, melhores traduções e uma melhor divulgação, todavia, nalgumas livrarias, a sua expressão ainda é exígua, realidade esta que contraria a procura de muitos leitores. A leitura dos clássicos é cada vez mais abrangente, já não se limita a uma pequena elite. Porém, não se deve considerar o aumento de leitores como uma conquista definitiva, pois o papel do educador é fundamental para estes números continuem a crescer. Deve-se, portanto, incutir nos estudantes a leitura destes textos, para que, no futuro, os releiam e os adoptem como seus. Por outro lado, os governantes devem extrair destes bens culturais o valor que lhes é devido, fomentando também a sua leitura.
Um país e um povo podem ser reconhecidos pelas suas leituras e face aos clássicos o melhor é lê-los. Leia-se.
T. S. Eliot
Ensaios Escolhidos
"O Que é um Clássico", pp. 129-46.
Tradução Maria Adelaide Ramos
Livros Cotovia
1992
Italo Calvino
Porquê Ler os Clássicos?
"Porquê Ler os Clássicos?", pp. 7-13
Tradução José Colaço Barreiros
Editorial Teorema
1994
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