quarta-feira, 6 de março de 2013

Para uma Leitura dos Clássicos

A leitura do ensaio "O Que é um Clássico" (1945) de T. S. Eliot, bem como do ensaio "Porquê Ler os Clássicos" (1981) de Italo Calvino, ajudam-nos a compreender a natureza de um clássico. 

T. S. Eliot começa por dizer que "a palavra tem, e continuará a ter, vários significados em vários contextos" (129). O autor anula, de imediato, dois significados para este termo. Eliot não se quer referir a um clássico como referente aos textos gregos e  latinos do período chamado clássico, nem do clássico como oposição ao romântico. A sua definição de clássico assenta, principalmente, em três conceitos. O primeiro é a maturidade. "Um clássico só pode ocorrer quando uma civilização atingiu a maturidade; quando uma língua e uma literatura atingiram a maturidade; e deve ser a obra de um espírito que atingiu a maturidade" (131). Eliot, de seguida, refere o segundo conceito que define um clássico, a compreensividade, e diz que "o clássico perfeito deve ser um clássico em que todo o génio de um povo está latente, se não todo revelado; e que só pode aparecer numa língua tal que todo o seu génio possa estar estar presente ao mesmo tempo. Devemos, por consequência, acrescentar à nossa lista de característica do clássico a da sua compreensividade" (142). E, por fim, o último conceito que define o clássico é a universalidade. "Quando uma obra literária possui, para além da compreensividade em relação à sua própria língua, igual significado em relação a um certo número de literaturas estrangeiras, podemos dizer que tem igualmente universalidade" (142). Em síntese, T. S. Eliot diz que "o nosso clássico, o clássico de toda a Europa, é Virgílio" (145). No entanto, é importante referir que, neste ensaio, o autor norte-americano apresenta um expresso grau de subjectividade nas suas escolhas, ou referências, por exemplo não considera que a obra de Goethe se inclui no conceito de universalidade, bem como, nesta definição de clássico, conclui que as obras de Homero, a Ilíada e a Odisseia, são inferiores às de Virgílio. 

Já Italo Calvino apresenta catorze propostas de definição para um clássico, as quais passamos a enumerar:
  1. Os Clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer: "Estou a reler" e nunca "Estou a ler..." (7).
  2. Chamam-se clássicos os livros que constituem uma riqueza para quem os leu e amou; mas constituem uma riqueza nada menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas condições melhores para os saborear (8).
  3. Os clássicos são livros que exercem uma influência especial, tanto quando se impõem como inesquecíveis, como quando se ocultam nas pregas da memória mimetizando-se de inconsciente colectivo ou individual (8).
  4.  De um clássico toda a releitura é uma leitura de descoberta igual à primeira (9).
  5. De um clássico toda a primeira leitura é na realidade uma releitura (9).
  6. Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer (9).
  7. Os clássicos são os livros que nos chegam trazendo em si a marca das leituras que antecederam a nossa e atrás de si a marca que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes) (9).
  8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma vaga de discursos críticos sobre si, mas que continuamente se livra deles (10).
  9. Os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto (10).
  10. Chamam-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, tal como os antigos talismãs (11).
  11. O nosso clássico é o que não nos pode ser indiferente e que nos serve para nos definirmos a nós mesmos em relação e se calhar até em contraste com ele (11).
  12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu primeiro os outros e depois lê esse, reconhece logo o seu lugar na genealogia (11).
  13. É um clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para a categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo (12).
  14. É um clássico o que persistir como ruído de fundo mesmo onde dominar a actualidade mais incompatível (12).
 Segundo Calvino, um clássico manifesta-se pela releitura, pelo enriquecimento do leitor, pela influência que exerce, pela novidade, pelo reconhecimento, por ser inesgotável, por ser fértil em referências, por ser passível de inúmeras críticas e comentários, mas, por outro lado, se manter independente, por ser uma imagem do universo, por promover o conhecimento de nós mesmos, seja pela semelhança ou pela diferença,     por ocupar o seu lugar num fio temporal e temático de outros clássicos, e por se manter vivo face a qualquer actualidade e interagindo com esta. O autor italiano diz "os clássicos servem para compreender quem somos e aonde chegámos" e termina, concluindo que "a única razão que se pode aduzir é que ler os clássicos é melhor que não ler os clássicos" (13).

Nos dias de hoje, o mercado livreiro assumiu uma ditadura da novidade e do best seller. As livrarias, sobretudo as grandes superfícies e as que pertencem aos grandes grupos editoriais e livreiros, focam-se nestes livros de grande rotação que saem do prelo hoje e amanhã são esquecidos, são substituídos por outros, porém, existem alguns que permanecem, como "bestas céleres", que, com a ajuda dos media, do passa-palavra, da moda que se opõe, são constantemente repostos. No entanto, mesmo esses têm uma morte anunciada, acabam por ser ultrapassados por outros que, por sorte, mérito, ou publicidade agressiva, se vêem a revelar como mais populares. Todos estes livros têm como maior temor a ordem tempo. O seu fado predeterminado é serem apagados da memória, seja em meses, anos, décadas ou séculos. A moda passa, é ultrapassada por outra e acabam por cair no esquecimento. No entanto, os clássicos tem a capacidade de permanecerem, de serem long sellers, daí que, nos últimos anos, algumas editoras apostem nestes livros intemporais. O leitor tornou-se mais exigente e agora os clássicos que saem da estampa tem mais qualidade gráfica, melhores traduções e uma melhor divulgação, todavia, nalgumas livrarias, a sua expressão ainda é exígua, realidade esta que contraria a procura de muitos leitores. A leitura dos clássicos é cada vez mais abrangente, já não se limita a uma pequena elite. Porém, não se deve considerar o aumento de leitores como uma conquista definitiva, pois o papel do educador é fundamental para estes números continuem a crescer. Deve-se, portanto, incutir nos estudantes a leitura destes textos, para que, no futuro, os releiam e os adoptem como seus. Por outro lado, os governantes devem extrair destes bens culturais o valor que lhes é devido, fomentando também a sua leitura. 

Um país e um povo podem ser reconhecidos pelas suas leituras e face aos clássicos o melhor é lê-los. Leia-se.   



T. S. Eliot

Ensaios Escolhidos

"O Que é um Clássico", pp. 129-46.

Tradução Maria Adelaide Ramos

Livros Cotovia

1992 




Italo Calvino

Porquê Ler os Clássicos?

"Porquê Ler os Clássicos?", pp. 7-13

Tradução José Colaço Barreiros

Editorial Teorema

1994

Sem comentários:

Enviar um comentário