Han, Byung-Chul, O Aroma do Tempo - Um Ensaio Filosófico sobre a Arte da Demora. Tradução Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D'Água, 2016. Páginas: 144. Preço: 14€.
Dos Livros e Da Leitura. Da Sociedade e Do Mundo. Da Poesia e da Espiritualidade.
sexta-feira, 20 de maio de 2016
sábado, 14 de maio de 2016
José Mário Branco - A Cantiga é uma Arma
A Cantiga é Uma Arma (1975)
Letra: José Mário Branco
a cantiga é uma arma
eu não sabia
tudo depende da bala
e da pontaria
tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
de pontaria
há quem cante por interesse
há quem cante por cantar
há quem faça profissão
de combater a cantar
e há quem cante de pantufas
para não perder o lugar
O faduncho choradinho
de tabernas e salões
semeia só desalento
misticismo e ilusões
canto mole em letra dura
nunca fez revoluções
a cantiga é uma arma
(contra quem?)
Contra a burguesia
tudo depende da bala
e da pontaria
tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
de pontaria
Se tu cantas a reboque
não vale a pena cantar
se vais à frente demais
bem te podes engasgar
a cantiga só é arma
quando a luta acompanhar
Uma arma eficiente
fabricada com cuidado
deve ter um mecanismo
bem perfeito e oleado
e o canto com uma arma
deve ser bem fabricado
quinta-feira, 12 de maio de 2016
Sugestão de Leitura: Henry David Thoreau - '"A Vida sem Princípios"
Thoreau, Henry David, A Vida sem Princípios. Tradução Luís Leitão. Lisboa: Antígona, 2016. Páginas: 80. Preço: 12€.
sexta-feira, 6 de maio de 2016
Não queiras ser um Deus, sê antes Humano
Baburen, Dirck van, Prometeu a ser Agrilhoado por Vulcano, 1623.
Amesterdão: Rijksmuseum.
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Abastecemos com egocentrismo a nossa imagem e consideramos a aparência a nossa verdadeira essência. A obsessão pelo corpo e a necessidade de anular o envelhecimento são prova da incapacidade de nos aceitarmos como humanos. O gregos tinha o conceito de kalokagathía que significava a união do belo, kalós, com o bom, agathós. Esta noção daria, mais tarde, a máxima mens sana in corpore sano que, curiosamente, deriva de um verso, usado com ironia, na Sátiras (X, 356) de Juvenal. Orientamos a nossa atenção para o corpo e para o belo e deixamos a mente e o bom tolhidos de cuidado. Basta vermos o número de pessoas que recorre a qualquer forma de terapia ou aconselhamento para a mente. A alma humana está profundamente doente, pois consolidou a sua existência, mais do que nunca, na aparência que é, por natureza, efémera.
A condição humana é absurdamente frágil. A doença, o envelhecimento e a morte não são possibilidades, são categorias que nos definem como humanos. Lá por comermos muita quinoa, bulgur, seitan ou bagas goji não anulamos a possibilidade de virmos a ter cancro, caso exista uma predisposição genética. Podemos, de facto, com uma alimentação saudável prevenir muitas doenças, mas não destruímos, por completo, a possibilidade de termos uma doença grave ou terminal. O exercício, bem como a alimentação, também não afasta da nossa existência o natural envelhecimento do corpo. Pode melhorar a nossa condição física, mas não deixámos de envelhecer.
A escolha radical pelo culto da aparência revela-se até na linguagem. Para preservar um enorme espectro de ilusões, desenvolvemos eufemismos para dar um outro sentido à realidade. Já não dizemos que é mentira ou falsidade, dizemos que falta à verdade ou que é uma inverdade. Como temos um medo atroz de envelhecer, porque, no fundo, tememos a decadência e a morte, deixámos de ser velhos para sermos idosos, seniores ou anciãos. Ora idoso é quem tem idade e é um mero elemento quantitativo, mais ou menos anos, mais ou menos idoso; sénior vem do latim senior que indica quem tem mais anos, é um denominador superlativo, oposto a minor, que indica quem tem menos de trinta anos, o jovem e a criança; e, por fim, ancião indica alguém que pela experiência ou conhecimento tornou-se um exemplo, logo é um elemento qualitativo que não é comum a todos. No fundo, quer queiramos ou quer não, quando envelhecemos somos velhos, mas podemos ser orgulhosamente velhos.
A ambição de ser um deus exige palavras e ruído. Perdemos o dom maravilhoso do silêncio e do seu potencial criador. Zenão de Cítio diz que "a natureza deu-nos somente um boca, mas duas orelhas, de modo que devemos falar menos e escutar mais" (Diógenes Laércio, VII, 23). Falamos por falar, falamos sem sentido, mas sobretudo falamos de nós. Eu sou, eu faço, eu fiz, eu penso, eu sinto enchem os discursos, tudo porque temos a necessidade de divinizar a nossa existência. Temos de ser os melhores, os mais esbeltos, os mais assertivos e com opinião formada sobre tudo. Face a nossa magnitude, os outros só podem ser alvos de crítica. Tudo porque não sabemos ser humanos, porque se soubéssemos, compreenderíamos a nossa condição imperfeita e efémera.
Os dois textos homéricos, a Iliada e a Odisseia, apontam, logos nos primeiros versos, para a diferença radical entre homem-deus e o homem-humano (perdoe-se o pleonasmo). A Ilíada (I, 1-7) começa da seguinte forma:
Canto, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
O verso sétimo indica a dicotomia que anteriormente se descrevia. De um lado está o Atrida, Agamémnon, soberano dos homens, e do outro o divino Aquiles. O filho da deusa Tétis e de Peleu, o rei dos mirmidões, têm o seu olhar no céu, na glória da eternidade. É um meio-humano que, no fundo, deseja ser apenas deus, imortalizado no tempo e na história. Contrariamente, a Odisseia (I, 1-10) começa assim:
Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
depois que de Tróia destruiu a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,
o Sol - e assim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus.
Odisseu, ou Ulisses, é humano, sofre, enfrenta a possibilidade da loucura, teme pela sua vida e tenta salvar-se. É um homem que recorre à inteligência e à astúcia para sobreviver. Os dois heróis são, por isso, exemplo dos dois vectores apresentados: o querer ser deus e gozar da imortalidade e o ser humano e aceitar essa condição. Aquiles deve o direito de escolha porque era um semideus. Preferiu a glória imortal e a vida breve, em vez de uma vida longa com mulher, filhos e netos, mas foi o sangue divino de Tétis que lhe deu essa hipótese. Ora Ulisses, à semelhança de todos os humanos, não pode escolher. Teve sempre a vida presa por um fio, como todos nós, com a ameaça constante da tesoura de Átropos.
O egocentrismo da sociedade contemporânea deixou-nos num estado de desumanização sem par. As pessoas sensibilizam-se mais com um cão maltratado do que com os bombardeamentos a um hospital, cheio de crianças e mulheres grávidas, em Aleppo. Movem-se por causas idealizadas, mas têm pouca compaixão pelo próximo. Estamos tão focados em nós, nos deuses que queremos ser, que nos esquecemos do outro e da nossa humanidade.
BIBLIOGRAFIA:
- Diógenes Laércio, Lives of the Eminent Philosophers, 2 Volumes. Tradução Robert Drew Hicks. Cambridge (MA) e Londres: Loeb Classical Library, 1925.
- Juvenal, Juvenal and Persius. Tradução Susanna Morton Braund. Cambridge (MA) e Londres: Loeb Classical Library, 2004.
- Homero, Ilíada. Tradução Frederico Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 2005.
- Homero, Odisseia. Tradução Frederico Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 2003.
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quinta-feira, 5 de maio de 2016
Sugestão de Leitura: Maria de Lourdes Sirgado Ganho - "Dicionário Critico de Filosofia Portuguesa"
Ganho, Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Dicionário Critico de Filosofia Portuguesa. Lisboa: Temas e Debates, 2016. Páginas: 816. Preço: 29,90€.
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terça-feira, 3 de maio de 2016
Por Amor de Deus, Citem, mas Citem Bem
Berruguete, Pedro, Platão, c.1477. Paris: Museu do Louvre.
A citação em si não tem nada de mal. É até recomendada, pois revela a capacidade de nos relacionarmos intelectualmente. Quando cito Dante, por exemplo, assimilo o texto, torno-o meu, sem o ser, mas não deixo de ser honesto e faço a devida ressalva e referência. As aspas sem referência não servem a citação, nem o autor sem a obra específica. A citação é uma responsabilidade intelectual, caso contrário é plágio. Vasculhar a Internet e fazer nosso o que é do outro é uma forma de pulhice textual, mesmo se o autor estiver em Vladivostok ou na Patagónia.
Atribui-se ao texto um carácter mais despersonalizado, como se fosse a hetaira da arte, que qualquer um pode agarrar e levar consigo. Se, por exemplo, um certo Manel das Couves (nome fictício) chegasse ao Louvre, roubasse a Mona Lisa, depois a levasse para o anexo da sua casa em Portugal e nela gravasse as iniciais MC e, por baixo, aka Manel das Couves, todos diriam que o homem estoirou com a panela de pressão. No entanto, se alguém, entre comes e bebes, enquanto vêem entusiasmados um jogo de futebol, ler, como se dizesse algo seu, um excerto de um poema de Herberto Helder ou de um texto de Assis Pacheco, muitos acreditariam nas proezas, bem regadas, da criatividade humana. Ou ainda alguém que, sentado na sua cadeira de rodinhas, com o teclado nas mãos, solta postas de pescada aforísticas, que afinal pertencem a outro ou que provêem de uma tômbola de citações digitais, mas que não deixa de receber muitas carinhas sorridentes pela sua sabedoria.
A citação sem a designação bibliográfica pode ter duas origens: a ignorância explícita, que não deixa de ser reprovada, pois até na escolinha se aprende que não se devem apresentar trabalhos que se copiam de livros ou de textos da Internet; e a soberba do ego, aquela que pensa que é tudo seu e que não deve nada a ninguém, pois a sua magnificência permite-se a não necessitar do conhecimento dos outros. E há também a preguiça, mas essa é uma forma de ignorância.
Ficam então algumas hipóteses de como citar - com texto entre aspas ou a itálico:
1 - Hipóteses Simples:
AUTOR, OBRA.
AUTOR, OBRA, PÁGINA.
2 - Hipóteses Completas:
AUTOR, OBRA, PÁGINA. LOCAL: EDITORA, ANO.
AUTOR, OBRA, TRADUÇÃO, PÁGINA. LOCAL: EDITORA, EDIÇÃO, ANO.
AUTOR (ANO), OBRA, EDIÇÃO, TRADUÇÃO, LOCAL, EDITORA, PÁGINA.
E nos textos online basta transcrever o link, como por exemplo:
http://orestopermanecehumano.blogspot.pt/2016/05/por-amor-de-deus-citem-mas-citem-bem.html
http://orestopermanecehumano.blogspot.pt/2016/05/por-amor-de-deus-citem-mas-citem-bem.html
É simples e não dói.
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