sexta-feira, 10 de maio de 2013

Entre a Citação e o Fragmento (1)

CITAÇÃO

"O Socialismo ou é ética social em acto ou não é nada- Estou certo de pouca coisa, mas não duvido de que o futuro para o Socialismo ou se alimenta dessa convicção - e das consequências práticas que dela relevam - ou se converterá numa legenda sem leitura e sem leitores."

Eduardo Lourenço, "Socialismo: que futuro?" (1979), A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História? - Ensaios Políticos. Lisboa: Gradiva, 2009.

FRAGMENTO

A "ética social em acto" é o grande desafio da Esquerda em Portugal. Os quatro partidos políticos da esquerda parlamentar (PS, PCP, PEV, BE) têm duas hipóteses: ou permanecem cada um no seu mundo, afastando-se progressivamente da realidade do país; ou esquecem a minúcias ideológicas que os separam, que são mais históricas do que reais, e centram-se nessa imperativo que é a "ética social em acto". O bolor da suposta solidariedade da Direita já revelou que não passa de uma propaganda, de palavras vazias, distantes da humanidade. Assim, a esperança de um povo reside na necessidade de uma ética social, de uma prática que se reflicta na vida das pessoas. Antes do capital, da dívida e da austeridade está o humano. E um verdadeiro socialismo, adequado ao século XXI, é a única forma de preservar a dignidade humana.   

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Quando o Pagamento da Dívida Pública se transforma em Simonia

Dante coloca os simoníacos no Oitavo Círculo do Inferno. A sua condenação é serem enterrados, de cabeça para baixo, num fosso e, enquanto sufocam, as suas pernas esperneiam e os seus pés são queimados. Malebolge, o Oitavo Círculo, é constituído por dez fossos, ou bolgias. O poeta começa, no Canto XIX, por descrever as dores dos fraudulentos, daqueles que vendem ilusões, promessas de uma salvação futura. O Papa Nicolau III é punido por estes crimes. O sucessor de Pedro diz: "Sob a minha cabeça vais achar / os que me precederam simonando, / e as fissuras da terra vão tapar" (Inferno, XIX, 73-5).

A simonia era uma venda de favores divinos ou bênçãos espirituais e materiais a troco de dinheiro. Um perdão dos pecados podia ser comprado. Tudo se vendia pela salvação da alma e, muitas vezes, pela do próprio corpo. A Igreja evoluiu e hoje condena este crime e pune-o com a excomunhão. No entanto, existem ainda vários sectores da nossa sociedade que continuam a praticar esta "transacção comercial", ou seja, quem se quiser salvar tem de pagar um valor proporcional ao bem alcançado - ou supostamente alcançado.

"Por ouro e prata adulterais" (4) diz o poeta. Os fraudulentos corrompem o humano, furtam a sua dignidade, em nome do ouro e da prata. A simonia de hoje é laica, vende um visão salvífica de um amanhã melhor, uma promessa ilusória de que os sacrifícios vergastados na pele têm uma finalidade. Porém, o pobre que sente o vazio no bolso, mas a imensidão na consciência, começa a perceber que a dor que o fustiga é sem sentido, é incoerente, incompreensível e injusta. Os governos de hoje, os países sob resgate, vendem a necessidade de pagar a dívida pública como se fosse uma indulgência, um perdão pelos pecados nacionais. No entanto, diante do pregador simoníaco, pensa o pobre, que sempre foi pobre, que pecado posso ter cometido quando nunca abandonei um país de pobreza. Se alguém pecou, se alguém cresceu na sua soberba, esse alguém não foi o pobre. Este limita-se a contribuir, contra a sua vontade, com o pouco que tem. Vendem-lhe ilusões, promessas, imagens de um amanhã colorido, todavia, esse tempo não se vê, nem se vislumbra. É o tempo do nada e do nunca. Mas o pregador não desiste, bem pelo contrário, insiste nessa necessidade de perdão.

A simonia é o discurso oficial sobre a austeridade e sobre o pagamento da dívida pública. Leia-se Dante e conserve-se a esperança na punição que lhes está destinada.



Dante Alighieri

A Divina Comédia

Tradução Vasco Graça Moura

Quetzal

2011